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Quem foi Claudio Naranjo?

O semeador do Percorrendo Masculinidades

Claudio Naranjo foi e segue sendo, além de terra fértil, uma forte ventania que impulsiona, espalha e mistura sementes aladas de buscadores das mais diversas raízes de atuação. Seria pouco eficiente, para uma despretenciosa nota de apresentação como esta, tentar elencar todos os seus atributos e as ramificações de uma obra tão vasta e plural. Para isso, há algumas pistas na internet e, especialmente, na Fundação internacional que leva o seu nome.

Neste curto espaço, queremos nos ater “apenas” à sua faceta que fecundou, batizou e contribuiu para germinar a “Gestalt Viva”, como hoje podemos chamar um movimento terapêutico com agentes em muitas as partes do mundo e do qual nos orgulhamos de fazer parte.

Prestamos aqui breve homenagem a determinado aspecto da biografia de Naranjo, o do psiquiatra chileno que, pioneiro na pesquisa de substâncias alteradoras da consciência, estabeleceu-se professor universitário nos EUA e, de tanto encontrar fissuras nos edifícios do status quo, foi alçado a expoente das investigações humanistas de vanguarda no lendário Instituto Esalen, no Big Sur, Califórnia.

Foi lá, onde lecionaram e residiram personalidades como Aldous Huxley, Joseph Campbell, Abraham Maslow entre tantos outros notáveis, que Naranjo conheceu Fritz Perls e fez dele um de seus mais influentes mestres. Nesta época, Perls estava no ápice de sua chamada ‘fase carismática’, período em que o pai da gestalt-terapia já tinha mais de 70 anos e disseminava sua criação terapêutica através dos famosos “Gestalt Awareness Trainings” de Esalen, em consonância com o florescer dos movimentos contraculturais dos anos 60 do século XX.

No final desta década, Naranjo foi reconhecido por Fritz como um sucessor a quem poderia confiar a continuidade de sua obra pulsante. Assim, depois da morte de Perls em 1970, Naranjo seguiu sendo uma referência em Esalen, onde ensaiou protótipos da sua escola (hoje conhecida como Escola SAT) que tinha como esteio a responsabilidade por manter a Gestalt Viva, permeável e baseada na atitude autêntica de cada relação terapêutica, tal qual Perls a preconizava, pincipalmente em sua fase norteamericana.

Apesar de sólidas bases teóricas, capazes de fazer a Gestalt-Terapia se equivaler a uma bem fundamentada filosofia (que segue a linhagem ou bebe na fonte de Nietzsche, Heiddeger e pincipalmente Buber e Friedlander) a Gestalt Viva que Claudio levou adiante está iluminada, mais do que pelo seu arcabouço teórico, por uma “atitude e prática de um experiencialismo ateórico” como prescreve o subtítulo do livro “Terapia Gestalt”, de Cláudio Naranjo.

A partir daí muita água passou por debaixo da ponte, até que pudéssemos conhecer Naranjo em atividade no Brasil, nos anos 10 do século XXI, e nos nutrir de suas aulas na Escola SAT, que já se espalhava por diversos países da América do Sul e Central, além de Europa, EUA e até Rússia.

Nos últimos anos, Claudio enfocava cada vez mais o patriarcado enquanto uma programação mental que molda a dita civilização e que, quase onipresente, nos resulta em agonia. Ninguém escapa disso que o budismo chama de uma das nobres verdades e que Claudio estudou, como poucos, suas origens.

É muito difícil dar conta de toda sua obra, com mais de 60 textos de fôlego, entre livros e publicações científicas. Mas para quem quer conhecer mais sua visão do patriarcado, indicamos “A Mente Patriarcal”, “Agonia do Patriarcado” e “La Raíz Ignorada de los Males del Alma y del Mundo” que, com uma retórica fluída e acessível, se detém ao tema em questão.

Nos primeiros anos do século XXI, com mais de 70 anos de idade, nosso professor percorreu os quatro cantos do mundo se comportando como um ativista combativo e inquieto, dedicado a promover uma prática educativa que pudesse influenciar o zigoto patriarcal, no reequilíbrio da família interiorizada de cada ser humano, a partir de educadores, adultos, jovens e crianças.

Nesse período, encontrou-se com diversos ministros da educação e até chefes de estado, fazendo tudo que estava ao seu alcance para difundir propostas humanistas (testadas na Escola SAT e pela via da Gestalt Viva ao longo de décadas) para a formação dos educadores, aqueles que tem o privilégio de um contato mais direto com as novas gerações. Por essas e outras, em 2015 aos 82 anos de idade, Naranjo teve seu nome indicado pela comunidade internacional ao Prêmio Nobel da Paz.

Por sua leitura do patriarcado enquanto vírus cultural que há milênios contamina a todos nós e, principalmente, por sua postura militante, com profunda fé na possibilidade que as práticas terapêuticas oferecem à transformação das consciências individuais para assim promover mudanças coletivas, é que nos determinamos a criar o Percorrendo Masculinidades e, mesmo depois de sua morte em 2019 e de todas as turbulências mundiais desse período, seguirmos confiantes, nos dedicando a estes estudos e práticas que tanto nos mantém ativos, motivados e, de certa forma, esperançosos.

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Após seguir as receitas de Nietzsche e destotemizar estátuas e crenças, buscando horizontalizar relações, por que aceitamos Claudio Naranjo?

Nos nossos processos, após assistirmos ao crepúsculo de ídolos, professores de ferro, gurus dourados, mantos orientais espiritualmente materialistas e ideias de “salvação” etérea, veio o vazio escuro.

Na penumbra do desconsolo surgiram os primeiros raios da tímida Alvorada. Cansados da busca mas ainda sedentos por abraçar nossa realidade amorosa, encontramos este homem notável, que nos ensinou o amor próprio como a primordial necessidade e que o melhor serviço que podemos prestar ao mundo é sermos nós mesmos.

Um Mestre de barro, carne e osso, de coração e sem idealizações, com profunda fé na humanidade. Filósofo de botar a mão na massa, honrou a criança interior mas também chafurdou nas entranhas do ego, seguro de que, ao levar as pessoas à beira do abismo da desidentificação, as asas da liberdade cresceriam durante a queda.

Com legado vasto como as raízes de um velho Baobá, criou uma escola especializada no Ser, para que cada aluno fosse único em sua capacidade criativa e busca por autenticidade, fomentando talentos humanos dedicados a contribuir à falência de um sistema doente.

Mesmo quando o corpo já pesava e doía, Naranjo seguia com a curiosidade de uma criança cientista, anotando tudo o que via, cada fenômeno manifestado na escola SAT, dedicando cada segundo a clarear o processo de transformação pessoal.

Nos rendemos à maestria de Claudio Naranjo porque além da sabedoria e erudição ímpares, foi ser humano em sua autêntica expressão e alguém cuja única exigência consistia em sermos nós mesmos. Sua presença silenciosa nos convidava de volta à nossa essência. Uma presença onde tudo amorosamente cabe.