Nosso Manifesto
Por que um grupo de homens?
Homens finalmente encontram-se em crise existencial. A crise, enquanto sintoma da agonia do patriarcado, é bem-vinda e traz em si um imenso potencial de iluminar o que ainda é obscuro e de catalisar mudanças internas para que indivíduos possam compreender e atingir sua maior potência sadia.
Nós homens, fomos acostumados, ou adestrados, a não sentir, a não comunicar nossas emoções e a não externar o que se passa em nosso interior físico, emocional e anímico – exceto o que é produzido por parte da nossa mente fragmentada. Esta cisão, decorrente de mordaças invisíveis, está sendo percebida por muitos homens contemporâneos como insustentável psiquicamente e, em último grau, paralisante.
Nos referimos à cisão produzida por um modo de existir e se relacionar que poda nossas expressões e tornam nebulosas nossas percepções mais profundas de nós mesmos; validando apenas os princípios da eficiência, da força, da virilidade, objetividade, decisão, firmeza e produtividade, entre outras fantasias do homem forte. Tais valores se materializam em dinheiro, poder, altos cargos, muitos bens de consumo, acesso ilimitado a serviços e tecnologias e status que nos permitam alguma ilusão de poder.
No meio do caminho, contudo, nos perdemos de nós mesmos. Perdemos o contato com o outro. Sentimos medo e não sabemos expressá-lo; espumamos de raiva e a externamos de forma desproporcional; castramos nossa vulnerabilidade; esvaziamos a espontaneidade. Não nos permitimos a inveja, a frustração, a dúvida, a impotência, o sem sentido. Como uma das principais vias de escape, reduzimos o sexo a ser mero veículo da descarga de tensões e eventualmente recorremos ao uso desresponsabilizado de drogas para anestesia ou dissociação de incômodos que não compreendemos.
Há um vazio iminente que precisamos sempre preencher. As metas tradicionais do homem “bem-sucedido”, representadas na carreira de sucesso, na família constituída e num “teto para chamar de seu” se esvaziaram diante de universos bem mais complexos do que imaginavam nossos avós. Internamente, as tais metas não são suficientes para preencher o vazio que nos espreita. É cada vez mais comum, em consultórios de terapia e análise, a presença de homens que, aparente e externamente, encontram-se bem, cumprindo seus papéis sociais com alguma eficiência, mas que por dentro descobrem-se perdidos na compreensão do que buscam de fato e desiludidos com as “verdades primordiais” introjetadas no passado.
Diante desse cenário, é mais que oportuno – é sobretudo necessário – que a crise seja aproveitada por uma iniciativa que se conecte tanto à superfície quanto à profundidade dos homens. Um trabalho que se pauta por diversas ferramentas contidas nos ensinamentos do Dr. Claudio Naranjo – que há décadas estuda e disserta sobre o patriarcado, aliando teoria e prática na promoção de mudanças efetivas nos sistemas de cada indivíduo – e também ancorado nos preceitos da gestalt-terapia de Fritz Perls: atenção no presente, no dar-se conta e na auto-responsabilização.
Isso porque, nos últimos anos, temos presenciado, tanto no Brasil como no mundo, o ressurgimento de um movimento reflexivo e transformador, referente aos papeis do homem na sociedade e às ampliações de suas masculinidades. O que faz de um homem, homem, já não é uma pergunta óbvia, passando a comportar diversas respostas, variantes e matizes.
Se, por um lado, nossa sociedade desenvolveu uma cultura de acesso irrestrito e ilimitado a bens, serviços e consumo, não é menos verdade, por outro lado, que homens nunca antes se encontraram em tamanha angústia e crise existencial.
E não é para menos. A masculinidade hegemônica, tal como estereotipada ao longo dos tempos, sempre foi algo a ser provado, demonstrado, por vezes imposto, inclusive. Ser homem sempre dependeu da afirmação de uma série de características: performance, força, virilidade, frieza de sentimentos, raciocínio lógico, foco, eficiência, dominação. A ausência de qualquer destas características é vivida pelos homens como ameaça à própria masculinidade.
Essa crise existencial vem produzindo resultados bastante palpáveis. Em comparação às mulheres, homens se suicidam quatro vezes mais, além de morrerem mais e matarem mais. Em média, mulheres brasileiras vivem sete anos a mais que homens. Tais informações abrem importantes reflexões sobre como homens lidam com a depressão, se cuidam ou não da sua saúde, se são capazes de lidar com suas frustrações sem o uso da violência.
Parte desse cenário é explicado pela incapacidade dos homens em elaborar suas questões, o que implica, necessariamente, tomar contato com seus sentimentos e emoções, refletir com amigos, se abrir.
É nesse contexto que surgem os grupos de homens: para que homens possam repensar, refletir, ressignificar as formas de ser e estar homem no mundo; as formas como lidam com o ambiente e as pessoas com quem se relaciona; as formas como lida consigo mesmo.
Tratam-se de espaços de troca, seguros, abertos e horizontais, onde a lógica da competição, dominação e do julgamento não se aplica. É preciso que homens (re)aprendam a estar entre homens de cabeça e coração abertos, onde possam se vulnerabilizar e trocarem entre si seus questionamentos e angústias sem medo de serem julgados como “menos homens”. Os grupos servem para que homens entrem na experiência do sentir, do compartilhar, para que percebam que é possível se abrir sem se “afogarem”.