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A Era dos Testículos

– Onde está seu feminino?
– Está lá em casa, kkk

Não é incomum que esta pergunta seja respondida de maneira jocosa e machista por alguns homens. Até os supostamente mais progressistas temos dificuldade com esta história de “meu feminino”. Que papo é esse de “meu feminino”, cara?

Pode ser uma reação coerente se observarmos a forma como a grande maioria dos meninos são criados diante do feminino; senão formados absolutamente pelos pais, pela educação formal e informal ou pela influência midiática, todo garoto cresce tendo o feminino como antagonista.

Grosso modo, tudo versa para dizer: “Se você quer ser homem, feminino é o seu oposto, aquilo que você não é, certo muleque? É na direção contrária que você tem que ir.”

Para muitos meninos, ser considerado homem é mais importante que sobreviver. Não é por acaso que tantos adolescentes arriscam suas vidas em máquinas e brigas para provar virilidade aos outros e às outras.

Você e eu, aqui na bolha, sabemos que sujeitos de mente estritamente binária, que rejeitam alguma parte de si, são desequilibrados e isso causa danos aos mesmos e ao entorno.

Mas a mente binária é bem mais ardilosa do que pensamos e, mesmo supostamente conscientes, podemos estar amputando algumas partes de nós sem percebermos.

Podemos dar outros nomes, mas sempre estamos rejeitando algo em nós.
É nesse ponto que vale a reflexão sobre a saúde que existe no processo de integração de aspectos que rejeitamos, para além dos nomes que damos a eles.

Ampliando para além de masculino-feminino, certamente você tem características que não gosta em si e tenta evitá-las publicamente, certo? Eu, pelo menos, tenho um tanto. Como seria se a gente variar os nomes e, principalmente, o ponto de vista sobre alguns aspectos?

Dentro dessa consciência entra a “Era dos Testículos”. Nós, homens, temos dificuldades com o termo “feminino”. Mesmo mais familiarizados com a anima e o animus de Jung, custamos a enxergar isso diante do espelho.

Até o mais popular conceito taoísta de yin e yang se reduz a um “símbolo legal” quando o colocamos à prova dos nossos papéis sociais. Nossa tendência é olhar o yang na mulher como a reprodução das características mais valorizadas nos homens e o mesmo acontece, inversamente, quando compreendemos o yin dos homens enquanto traços reconhecíveis nas mulheres.

Como é difícil sair da dualidade estéril, não é mesmo? Mesmo nas melhores intenções que habitam o inferno ou o céu de cada um, nos encontramos presos à bifurcação: ou eu sou isso OU aquilo.

O exercício de borrar as fronteiras e olhar com uma lupa para estes traços (a partir de nós mesmos e não como comentaristas sociais) é um passo fundamental na ampliação e no reconhecimento de masculinidades coerentes com o sonho de uma humanidade menos autodestrutiva.

Por isso, vale a pena voltar a uma autora dos anos 90 que semeou um aprofundamento no olhar sobre o tema. Genia Haddon, em seu “Uniting Sex, Self and Spirit” propõe relativizar os termos para que possamos nos reconhecer além das caixinhas dos preconceitos de gênero. Ela afirma que podemos exercitar um olhar tridimensional para o yin masculino e para o yang feminino, afim de uma percepção mais humana de nós mesmos.

A partir disso, Charles Einsenstein (autor de “Sacred Economics” e “The Ancient of Humanity”, dentre outros) propõe entrarmos logo na “Era dos Testículos”, um tempo em que deixaremos de perseguir a complementaridade no mundo externo e passaremos a cultivar o reconhecimento de certas sombras, que por tanto tempo foram ocultadas na demanda por uma masculinidade hegemônica e simplista.

Os testículos estão portanto como o símbolo, coadjuvante e vulnerável por trás do pênis, dos aspectos masculinos eclipsados por uma cultura que idolatra o poder penetrante do falo.

É evidente que vivemos um tempo de transição de paradigmas. Ou seriam paradogmas? Vivemos tempos em que podemos ampliar o que entendemos como yin e yang enquanto vetores de quem é mais identificado ou desidentificado com este ou aquele gênero.

Genia Haddon, em “Uniting Sex, Self and Spirit”, propõe que o Yin no masculino é bem diferente do Yin do feminino, assim como o Yang no masculino é diferente do Yang no feminino. Vamos a eles:

O Yang dos homens é o conjunto de características que ditou o passo civilizatório nos últimos séculos, talvez milênios, ou seja, a nossa “Era Fálica”: proativo, objetivo, linear, explorador, conquistador de novos territórios, competidor, impaciente, agressivo, dominador, forte, direto ao ponto, ereto, aventureiro, valente com riscos etc..

Já o Yin feminino, simbolizado por uma vagina receptiva e um útero nutridor, também é bem conhecido em todos esses milênios: passiva, receptiva, inclusiva, submissa, nutridora, confiável etc..

Na bem vinda crise dos gêneros que atravessamos atualmente, nos abrimos a outras faces destas mesmas moedas. O Yin masculino foi simbolizado, por Charles Einsenstein, nos testículos. Ao contrário do pênis que é desenhado para a penetração, a função dos testículos é guardar as sementes, a essência da vida e assim armazena qualidades como paciência, tolerância, solidez, estabilidade, confiabilidade e sustentação.

O Yang feminino é bem diferente do masculino e estaria associado a funções exertivas de um útero: como parir e menstruar. empurrar pra frente, transformar, trazer o novo, impulsionar, dissolver o velho, vigor, exigência, proatividade em emergência e ações em conjunto com forças naturais ou “energias de cada momento”.

É perceptível que uma maior variação entre yin e yang está mais explícita e coerente com o tempo de transição em que vivemos. Quanto antes pudermos trazer à consciência tais variações e o benefício que existe em quebrar “paradogmas” para gerar novos paradigmas, mais rápido colheremos os frutos.

Para concluir o raciocínio, gostaríamos de provocar a reflexão a partir do que, em tom profético, Charles Einsenstein escreve sobre a “Era dos Testículos:

Já começamos a perceber a necessidade dessas ‘qualidades testiculares’ de conservação, regeneração, paciência, tolerância e constância. À medida que o Feminino coletivo da humanidade e do planeta avançam nesta emergência para nos dar nascimento ao futuro, o Masculino coletivo estará à mão, calmo, firme, sólido e reconfortante. Esses serão os traços que definirão a masculinidade, enquanto os traços fálicos recuarão, por um tempo, para um papel inferior.”

Talvez nossos pintos já comecem a estribuchar em desespero ao ouvir dizer que podem passar de protagonistas a coadjuvantes. Mas convém lembrar nossos queridos membros genitais que coadjuvante não é obsoleto e que existe uma série de “vantagens” em dar passagem, talvez analogamente ao velho que vive o descanso merecido e sabiamente permite que o jovem tome à frente na construção de novos mundos. Einseinsten prossegue, em sua otimista profecia:

Durante este nascimento, a humanidade experimentará uma jornada de vida ou morte apenas para sobreviver. Quando nascemos nesse novo mundo, perceberemos que nossa espécie está apenas na infância. Este processo está começando para valer em nossas vidas e pode levar séculos para ser concluído. Não sei os detalhes, mas no meu coração sinto a vinda de um mundo mais bonito”.

Mesmo em tempos tão apocalípticos e desoladores como o que experimentamos aqui e agora, gosto de pensar que esta perspectiva não é um delírio e nos provoca num plano muito mais profundo. E você, como se sente com a possibilidade da “Era dos Testículos”?

1 comentário em “A Era dos Testículos”

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