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4 vergonhas em ser homem

As 4 vergonhas em ser homem

Em uma sociedade marcada pela eficiência, performance e resultados, ser homem não será algo inerente, mas dependerá do quanto você entrega, realiza e, de forma inversamente proporcional, do quanto você falha. Falhar torna-se o mesmo que “não ter valor”.

Nesse contexto, experimenta-se um profundo e inconsciente sentimento de vergonha. A vergonha se produz diante daquelas experiências que rompem o sentido de adequação e de valor de um homem. A vergonha aparece porque quem somos é tido como algo errado, ruim.

Ao experimentar vergonha, o homem se sente inferior, se embota em seu mundo interior e aprofunda suas imperfeições. Também levará à comparação e à competição.

A primeira fonte de vergonha nos homens se constitui pela perda do pai.

Desde criança, sentimos atração pelo pai, um desejo de estar em contato, ser acolhidos e, de certa forma, nos sentirmos incluídos em seu campo psíquico.

Porém, muitas vezes o que vemos é um homem incapaz de satisfazer essas necessidades emocionais. Produz-se, então, um distanciamento afetivo.

Quando sentimos que não há conexão com o pai, sentimos vergonha; e pior, nos sentimos culpados por isso.

Nos entra um sentimento de inadequação, não pertencimento. O que eu tenho de errado? Que problema tenho eu, que meu pai não me toca, não se relaciona comigo, não me quer?

No afã por pertencer, por ser visto, muitos filhos homens irão tomar-se como responsáveis por esse distanciamento e buscarão ser filhos perfeitos aos olhos dos seus pais. Ou se afastarão de vez e negarão secretamente seu desejo de aprovação paterna.

É esse mesmo impulso ao pertencimento que fará com que a criança, no intuito de “salvar o pai”, inventará fantasias para explicar a ausência do pai.

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No livro A História da Virilidade, fica muito claro como a psique masculina era rica, variando ao longo das centenas de anos a descrição do que era um homem, do que era ser homem, do que era ser viril.

Mais recentemente, essa rica e variada descrição se erodiu, de forma que hoje temos uma grande simplificação pasteurizada do que se supõe ser homem.

E essa é a segunda grande fonte de vergonha nos homens: a perda do fundamento arquetípico.

Antes, tínhamos os arquétipos do rei sagrado, do amante, do guerreiro, do sábio etc. Hoje, nos sobram imagens estereotipadas, que não ressoam no interior das nossas almas, se constituindo mais em imagens que nos levam a estabelecer comparações e, ao fim, nos levam à vergonha.

A comparação tem por motor a vergonha, nos levando a uma competitividade sem fim.

Em uma sociedade pautada pelo acúmulo de riqueza e posses, obtenção de status social e busca pelo êxito, os homens competem por poder e posição, em detrimento das relações de amizade, fraternidade e companheirismo.

Sentimento de dúvida de si mesmo, pena, solidão e tristeza, embora cada vez mais presentes, passam a não caber mais.

Perde-se a capacidade de estabelecer vínculos substanciais e profícuos com outros homens. Entra-se em um individualismo ancorado apenas no poder, em prejuízo da capacidade de se relacionar.

Essa configuração vai levar também à desconfiança de outros homens, contribuindo para a criação de um ambiente hostil e produtor de mais insegurança.

Estaria bem que retomássemos as bases arquetípicas da variedade masculina.

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A terceira fonte de vergonha no homem refere-se à perda da paixão e do corpo.

Em parte pela moral católica, em parte pelo “progresso civilizatório” racionalista que nos afastou de nossa natureza primitiva, instintiva, perdemos a relação com nosso corpo e o contato com nossos impulsos, paixões e desejos.

Pouco a pouco, mas de forma constante e implacável, a cultura nos impôs a necessidade de controlar nossas paixões e de “salvar-nos” dos nossos impulsos supostamente desenfreados.

Em uma sociedade pautada no mérito à ciência e ao raciocínio lógico, não apenas nossas emoções (“nossa, fulano é emotivo DEMAIS”), como também nosso instinto (“credo, parece BICHO”) foram silenciados. Fizemos isso à custa da nossa vitalidade.

Os homens encontram-se numa luta sem fim com esta grande perda. É um verdadeiro lugar do não-saber, estabelecido de forma paralisante entre os polos do dominar ou ser dominado, ser violento e tomar o que é meu ou reprimir envergonhadamente meu desejo instintivo.

É preciso superar essa falsa dicotomia. O impulso do desejo é criador de contato, chega até o outro e há gratidão quando o vínculo se estabelece. Em suma, é fonte de vida, relação, criação.

Quando o desejo instintivo da conexão erótica (não necessariamente sexual) sente vergonha, há rechaço e o movimento se interrompe. Perde-se a possibilidade de intimar-se, abrir-se vulneravelmente e entrar em contato.

Para compensar essa vergonha, essa perda da liberdade espontânea do instinto, a sexualidade será vivida na esfera do poder, manipulação e violência, objetificando corpos alheios e empobrecendo a possibilidade do estar em relação.

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Por fim, a quarta e última fonte de vergonha em ser homem passa pela perda do senso de comunidade masculina.

Já escrevemos outros textos sobre a necessidade de homens aprenderem a ser homens com outros homens, e não com mães que, por mais bem intencionadas que sejam na tentativa de suprir a lacuna do pai ausente, acabam por passar ideias e ideais do que é ser homem, mais que a praxis masculina.

Essa dissolução da comunidade masculina, embora não gere vergonha diretamente aos homens, mantém o isolamento de que se nutre a vergonha. Em uma perspectiva misógina, poderá gerar inveja da sororidade feminina.

A ruptura da comunidade masculina fará com que parte dos homens perca acesso às relações que reestabelecem a noção de pertencimento e vinculação. E a ferida do não pertencimento é uma das mais profundas que há. Se fecha, mas nunca cicatriza por completo.

Um sistema pautado na competição e no individualismo nos deixou com a ideia de que devemos resistir sozinhos, sentir dor em silêncio, ignorar o contato. Deixamos de ver valor nas amizades masculinas ou, quando a vivenciamos, é a partir de um não-contato, uma broderagem, camaradagem superficial.

A vergonha, aqui, está na falta de relação. É a vergonha de ter de fazer a travessia sozinho. O compartilhar, buscar ajuda, tirar dúvida, torna-se vergonhoso. “Macho é aquele que se vira sozinho”.

Que possamos recuperar nosso senso de fraternidade, nutrindo amizades masculinas sinceras e abertas. Que nossas individualidades não justifiquem individualismos alienantes.

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